Por bem ou por mal | Contos




Por bem ou por mal


 Não que a vida fosse ruim, muito pelo contrário, desde todos os acontecimentos ele aprendeu a viver com todas as regras, todas as ponderações e limitações que os Cabeças impunham. Tudo sempre era conforme as orientações dadas pelos Cabeças e não havia espaço para questionamentos. Ele aprendeu a viver desta maneira.

Ele viveu a época dos acontecimentos ou como os Cabeças gostam de dizer, ele viveu na época da ilusão coletiva. Foi exatamente assim que os Cabeças refizeram a história, foi exatamente assim que cumpriram o papel de serem os Cabeças, contaram a sua versão sobre o que havia realmente acontecido e uma parcela acreditou, ele estava nesta parcela.

A ilusão coletiva foi quando tudo veio abaixo e ele viu tudo acontecer, mas não sabia opinar sem antes ver o telejornal. Tudo começou com o governo mascarando coisas, não, perdão, elas não foram mascaradas, mas ocultadas para que a população não perdesse seu esforço intelectual com questões tão administrativas, ele ouviu isso e foi com os demais. Depois veio um juiz, que certo ou errado, dentro ou fora da lei divulgou coisas relacionadas a corrupção. Foi aí que os Cabeças apareceram como são e ele ouviu os outros.

Tudo ilegal, por mais que o áudio fosse comprovado, era ilegal e não valia, por mais que existissem listas comprovando a corrupção, eram ilegais e não valiam. Pelo bem ou pelo mal da federação, a constituição não foi forte o suficiente. Para bem ou mal tudo rachou e as divisões de ódio que já existiam criaram um abismo entre dois países oriundos de um só. Ele não tinha ódio no coração, mas teve que escolher um lado, era o que diziam “ou está conosco ou está contra nós”, ele escolheu um lado, o lado dos Cabeças, escolheu sem entender muito bem o que ocorria no momento, mas escolheu, as vezes por conta daquela mulher bonita que empunhava uma bandeira monocromática, mas escolheu, pelos motivos certos ou errados por bem ou por mal.

Não que a vida fosse ruim, mas ele sentia falta, das praias que ficaram com os outros, dos familiares que ficaram do lado dos outros, dos cursos que os Cabeças proibiram, mas ele não tinha certeza se os outros também haviam proibido. Ele sentia falta de poder andar sem ter hora para voltar, mas ele tinha que concordar com os Cabeças, depois da divisão se ele seguisse todas as regras viveria bem e não sumiria como alguns, que por bem ou por mal apenas perguntavam nas ruas: Para que tudo isso, Cabeças?


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