Primeiro Dia
– E agora, o que faremos? – perguntou
André com a respiração ofegante.
– Eu não sei – respondeu Otávio enquanto
dava uma olhada discreta pela janela – eles ainda estão lá fora.
– São quantos?
– Só estou conseguindo ver uns dez, mas
acho que ainda tem mais no fim da rua.
– Estamos perdidos. Eu estou só com
quatro tiros.
– Eu estou com dois ou três, nem sei ao
certo, e tenho essa faca. Maldita hora de resolvermos escutar a Aline.
– Nem me diga, há essa hora ela deve
estar morta.
– Era o mínimo que podia acontecer com
ela – Otávio soava nervoso – por fazer a gente sair daquele abrigo. Agora
estamos aqui, presos dentro de uma casa com uma penca de zumbis na nossa cola.
– Cara, eles não são zumbis – André disse
com um tom de superioridade – eles não comem carne humana, eles estão mais para
infectados do que para zumbis.
– Lá vem você com essa historia de novo,
“eles não se alimentam de carne humana, só gostam de bater até ver o outro
morrer”. Para mim são zumbis, não estão conscientes e nos atacam sem motivo.
– Cara, eles estão doentes, lembra-se do
noticiário? É um distúrbio causado por causa daquelas carnes contaminadas.
– Estou pouco me importando com o que
aconteceu, o que me interessa agora é saber como vamos sair daqui.
– Eu acho melhor ficarmos aqui –
respondeu André olhando pela janela – são muitos lá fora, e eles só vão sair daqui
quando tiverem a certeza que nós dois não estamos mais aqui.
Otávio ficou observando o movimento na
rua depois de ter escutado André. Os infectados andavam sem rumo pela rua,
esbarrando um nós outros e xingando-se a todo o momento, alguns ficavam brigando
trocando socos e chutes, mas logo paravam e voltavam a andar, outro grupo
estava fazendo uma confusão enquanto um homem transava com uma mulher na
calçada que logo foi empurrado por outro para que o próximo da fila se
satisfizesse, a mulher que gritava insanidades pedindo mais homens e mordendo
ou batendo se alguém tentasse a tirar dali – Eles estão todos loucos – disse
Otávio demonstrando um medo absoluto.
– Vou ver se existe alguma porta aberta –
André disse pousando a mão no ombro de Otávio trazendo-o de volta do seu
devaneio – eu acho melhor você olhar se ainda tem alguma comida na cozinha, eu
tenho na mochila apenas um pacote de biscoito recheado e três barras de
cereais, o que você tem ai?
– Acho que talvez cinco barras de cereais
e alguns biscoitos, mas são poucas coisas. Não deve durar mais do que dois
dias, vou à cozinha.
Segundo Dia
Os dois haviam dormido no chão da sala,
fizeram uma espécie de barricada na porta com os sofás e deixaram a cortina
fechada bloqueando a janela. Não acharam muita coisa na cozinha além de pães
duros e algumas frutas estragadas. A única sorte deles foi encontrar o filtro
meio cheio de água.
André, quando acordou, levou um susto ao
ver Otávio em pé de frente à janela com metade da cortina aberta – Aconteceu
alguma coisa lá fora Otávio?
Otávio não respondeu.
– Otávio, aconteceu alguma coisa? – André
já sentiu o medo crescendo dentro de si.
Otávio não respondeu.
– Otávio? – André se sentou e pegou a
pistola calibre trinta e oito que estava ao seu lado e apontou para Otávio mais
uma vez – Por favor, Otávio, me responde, se não vou atirar em você, está tudo
bem?
Otávio se virou para ele com os olhos
arregalados – Eles mataram aquela mulher – e voltou a se virar para a janela.
André levantou em um pulo fechando a
cortina – Você esta louco Otávio? Se eles tivessem te visto aqui dentro
estaríamos mortos uma hora dessas.
Otávio lançou-lhe um olhar carregado de
perturbação e medo – Eles não estão nem preocupados em olhar para o lado, olha
o que eles fizeram.
André fitou Otávio por um momento e em
seguida levantou e abriu apenas uma pequena brecha dos panos da cortina para
olhar. André ficou horrorizado com o que viu, a mesma mulher que no dia
anterior estava saciando a todos na rua estava agora com a cabeça esmagada por
um pedaço do meio fio da rua, no entanto o corpo imóvel ainda servia ao
proposito de satisfação.
Agora ele sabia o que havia feito Otávio
entrar naquele estado de choque, ele tentava tirar os olhos daquela cena
surreal, mas era inútil. Quanto mais André tentava desviar o olhar mais aquela
cena o prendia, até o momento que um infectado passou na frente da janela.
Com o susto do vulto que passou andando
do lado de fora André se jogou no chão, fazendo com que Otávio deitasse ao seu
lado.
– Alguém te viu? – perguntou Otávio
sussurrando.
– Não sei – respondeu André com os olhos
cheios de lágrimas e a mão que segurava a arma tremendo.
Do lado de fora o infectado tentou abrir
a porta sem sucesso por causa dos sofás, ele deu uns murros e chutes na porta
dando gritos de raiva. Cada pancada seguida de um grito gerava uma onda de
calafrio que percorria o corpo dos dois que estavam deitados.
Em poucos minutos de murros, chutes e
socos outro infectado se aproximou – Que porra é essa que você está fazendo?
– Eu quero essa casa – respondeu dando
mais um chute na porta.
– Eu que quero essa casa – disse o outro
já empurrando o primeiro infectado e dando um soco em seu rosto.
Dentro da casa os dois tremiam e suavam
frio – Vamos ficar aqui parados, eles não sabem que estamos aqui dentro – disse
André para Otávio.
Depois de uns cinco minutos de luta entre
os dois infectados, os dois pararam de se xingar e andaram cada um para um lado.
Quarto Dia
Eles já estavam completamente
desacreditados que poderiam ser salvos, a cada dia que passava mais infectados
apareciam na rua, a cada dia que passava mais fracos eles ficavam e cada dia
mais insanos.
– Acho que vou me matar – disse Otávio
enquanto repartia no meio à penúltima barra de cereal.
– Não diga uma coisa dessa cara – André
já estava pensando nisso a um bom tempo, mas não queria demonstrar.
– E porque não? Prefiro morrer a me
tornar um deles.
– Eu prefiro me tornar um deles, e se
existir alguma cura – disse André tentando acalmar Otávio.
– Cura? Você acha mesmo, no início
falaram que era uma gripe. Em dois dias disseram que era uma virose, no
terceiro dia falaram para estocarmos comida em casa, somente produtos
industrializados nada de carne ou legumes. No final da semana a televisão e o
rádio estavam sem sinal – Otávio disse com a voz de deboche – você realmente
ache que existe uma cura?
André não sabia o que responder, preferiu
primeiro comer seu pedaço de barra de cereal.
Os dois permaneceram calados o resto dia.
Otávio não saiu da frente da janela.
Sexta Dia
Não havia mais nada para comer ou beber,
André sentia o estômago doer pela falta de comida e Otávio permanecia em pé a
frente da janela.
– E se já estivermos infectados André? –
Otávio perguntou sem sair da frente da janela.
– O que você quer dizer?
– Estou aqui observando, os infectados
que chegaram por último. Os antigos já chegam batendo neles, os que respondem
com violência são deixados de lado, mas o que gritam de dor ou tentam fugir são
massacrados até a morte. Alguns, mesmo feridos, sobrevivem e começam a
responder com o dobro de violência e logo também são deixados de lado.
– E qual a relação disso com estarmos
infectados?
– E se não for vírus, virose ou nada do
gênero? E se essa for à nova natureza do homem na qual temos de ser violentos
para sobreviver?
– Você não est… – antes que André
terminasse de falar Otávio se jogou em cima dele com a faca na mão cortando sua
garganta, ele se levantou observando André se afogar com o mar de sangue que
brotava da ferida aberta.
Otávio pegou as armas, limpou a faca e
foi retirar os sofás que bloqueavam a porta, antes de sair da casa ele deu uma
última olhada pela janela.
Ele abriu a porta gritando com a faca em
uma mão e a arma na outra – Venham seus bandos de desgraçados – após o grito um
bando de quase vinte infectados correram em sua direção.
Quando o infectado que corria a frente
estava a pouco mais de dez metros de distância de Otávio, que se preparava
mirando a arma para acertá-lo e apertando o punho da faca, ele foi pego de
surpresa por um tiro que acertou o lado da cabeça do infectado. Logo em seguida
os que vinham correndo atrás começaram a cair um seguido do outro, no desespero
Otávio se jogou no chão e viu um tiroteio matar todos os infectados.
Quando olhou para o lado viu um pelotão
de infantaria do exército avançando mirando os fuzis em todos que corriam para
enfrentá-los.
Otávio permaneceu deitado até quando um
soldado chegou perto dele – Você aí deitado, largue a arma e a faca – Otávio
jogou ambas para o lado e levantou.
Quando o soldado percebeu que ele não
tinha comportamento agressivo baixou a arma – Não se preocupe senhor, estamos
aqui para ajudar, há mais algum não infectado dentro da casa?
– Não – respondeu Otávio fechando a porta
para o militar não ver o corpo de André no chão.
– Muito bem senhor, peço que vá para a
ambulância tomar o soro antivírus.
– Existe uma cura? – Otávio perguntou
incrédulo lembrando do que André havia lhe dito.
– Uma vez infectado com o vírus não há
cura, mas desenvolvemos um soro que previne a infecção.
O soldado seguiu seu caminho enquanto
Otávio ainda permanecia parado na frente da casa olhando o pelotão avançar, ele
voltou a olhar a janela mais uma vez – Você me fez ficar louco.
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